Artigo de opinião

Compartilhar conhecimento: chave para uma sociedade mais inteligente e solidária


1 7min

Escrito por Lisiane Müller em 09/06/23.

Paravras chave :

Comunicação Científica,

Ciência e sociedade,

Aspectos sociais,

Compartilhar conhecimento: chave para uma sociedade mais inteligente e solidária

Atualizado em: 09/06/23

"O conhecimento científico deve ser uma ferramenta acessível para o progresso e o bem-estar coletivo do país."

    A ciência e o conhecimento científico desempenham um papel crucial em enriquecer a vida das pessoas. Por meio das descobertas científicas, obtemos um entendimento mais profundo e abrangente do mundo ao nosso redor, como respostas baseadas em evidências sobre o funcionamento da natureza, desde o cosmos até processos biológicos e sociais. É esse conhecimento científico que nos capacita a tomar decisões informadas em nossa vida cotidiana, seja na escolha de um tratamento médico, na compreensão dos impactos das mudanças climáticas ou na adoção de práticas mais sustentáveis. A ciência também alimenta a nossa curiosidade, nos incentivando a buscar novos avanços em diferentes áreas do conhecimento.

No entanto, o que acontece se grande parte desse conhecimento científico ficar restrito apenas para o ambiente acadêmico? Parece estranho, né? Mas esse é o modus operandi da nossa sociedade atualmente.

   Na grande maioria de Institutos e laboratórios no Brasil, os resultados das pesquisas são publicados em revistas especializadas. Muitas vezes de alcance internacional, essas publicações ficam acessíveis apenas a uma pequena parte da população - a dos cientistas especialistas. O surgimento das revistas científicas foi um grande avanço que ocorreu no século 17. Considerado um marco para a comunicação científica, elas proporcionaram uma reestruturação social importante, permitindo que um número maior de cientistas e simpatizantes tivessem acesso a novos estudos e descobertas. Antes disso, a difusão das pesquisas ocorria, em geral, por meio de correspondências (cartas) privadas e encontros presenciais, como nas reuniões das sociedades científicas. O compartilhamento de ciência era menos sistemático e limitado em termos de alcance: dependia, principalmente, das redes pessoais e das relações estabelecidas entre cientistas. 

     Desde o século 17 muita coisa mudou. Com a invenção e popularização dos rádios e das televisões no século 20, a disseminação da ciência ganhou novos saltos, podendo ser difundida também para um público mais diverso e com diferentes níveis de instrução. Programas de rádio e TV, por meio da combinação de áudio, vídeo e imagens, possibilitaram que o público compreendesse e visualizasse informações científicas de forma imersiva: agora dentro das suas casas e através de documentários, entrevistas com especialistas e canais com programação educativa. No entanto, antes mesmo que tudo isso pudesse ser realmente democratizado para as pessoas, a chegada da era digital e das plataformas sociais nos impulsionam novamente a um grande salto. A internet se torna uma poderosa ferramenta para difundir conhecimento científico a nível global.

Como cientistas estão lidando com todo esse avanço? Reflita por alguns segundos.

     Agora pense comigo: você consegue enxergar reportagens sobre ciência sendo feitas sem a participação de cientistas? Seja na frente das câmeras, nos microfones ou nos  bastidores, os cientistas são essenciais. Afinal, quem poderia explicar melhor sobre ciência do que nós? Mas aqui encontramos um problema: temos um conhecimento especializado de nossas pesquisas, mas saber explicar sobre elas para um público leigo é outra história. Não somos estimulados a desenvolver habilidades para isso e não temos olhado com a devida preocupação e urgência para o fato de que comunicar resultados científicos apenas em revistas especializadas não é mais o suficiente para o coletivo. Precisamos ir além, o que implica acompanhar o desenvolvimento tecnológico e digital no âmbito do entretenimento. Sim, pode parecer estranho, mas isso se justifica por razões, muitas vezes, óbvias: 
 

Não há futuro promissor para uma sociedade orientada por ciência e tecnologia onde cientistas discutam esses avanços apenas entre si. Além disso, o acesso desigual ao conhecimento científico e tecnológico geram sérios problemas na estrutura social de um país. Essa disparidade impede que pessoas de diferentes origens e locais tenham oportunidades iguais para desenvolvimento pleno de seu potencial crítico, intelectual e profissional, inviabilizando muitas vezes o acesso a oportunidades em setores de alta demanda e em empregos com melhor remuneração. Além disso, sem acesso à informações atualizadas e embasadas em evidências, esses grupos ficam mais vulneráveis à desinformação, incluindo fake news sobre questões políticas e ambientais, preconceitos e práticas discriminatórias, perpetuando ainda mais este ciclo de exclusão. E não pára por aí. O distanciamento de informações científicas, como do avanço da medicina, por exemplo, também impactam as pessoas em relação à prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, deixando tais grupos expostos a procedimentos duvidosos, como de práticas pseudocientíficas.
 

     No Brasil, há uma grande lacuna entre a produção de conhecimento científico e o acesso da população a essas informações. A estrutura acadêmica atual pressiona pesquisadores e estudantes a produzirem resultados direcionados às publicações internacionais especializadas, não havendo pressão similar para que este fluxo de informação também seja direcionado para consumo do público em geral. Não temos uma cultura e/ou política pública bem estruturada que nos estimule a transformar dados acadêmicos em conteúdos didáticos, objetivos e para amplo acesso. Vemos sim alguns avanços e uma quantidade maior de incentivo a esse tipo de produção nos últimos anos, mas feitos de uma maneira descentralizada e irregular, o que impossibilita que tenhamos uma noção real do impacto de tais esforços.

E o que você pode ou deve fazer?

     Entender que precisamos voltar nossos esforços para comunicar ciência é fundamental. Para que a gente possa almejar um futuro melhor, onde todos tenham acesso às oportunidades que o conhecimento científico proporciona, diversos atores da nossa sociedade precisam estar comprometidos em pressionar e atuar a favor da implementação de políticas que promovam a democratização dessas informações. E dentro desses atores, os cientistas são fundamentais, não podendo mais se esconder em seus laboratórios e revistas especializadas: esta é uma realidade que não cabe mais para o século 21.

     É importante criar e praticar desde o início da nossa trajetória acadêmica uma mentalidade crítica acerca desse tema, entendendo que essa disparidade de conhecimento impede que a ciência utilize todo o seu potencial para promoção efetiva de desenvolvimento e inovação em um país. E é fundamental lembrar que atuar com maior proximidade à sociedade é uma atitude que fortalece e enriquece a própria ciência. Já que ao se envolver com comunicação pública, temos a oportunidade de receber feedbacks valiosos da população, o que pode ajudar a moldar e direcionar nossas pesquisas e aumentar o interesse da sociedade em nossos trabalhos. Ao tornar a ciência mais acessível e compreensível, cientistas também têm a oportunidade de impactar toda uma geração de futuros(as) profissionais, estimulando o interesse e a participação de crianças e jovens nos mais diferentes campos científicos.

     A democratização da ciência desempenha um papel crucial na luta contra a desigualdade e para promoção de uma sociedade mais justa e inclusiva. É, portanto, responsabilidade de todos nós - cientistas, divulgadores, instituições acadêmicas e governamentais - fomentar e incentivar o compartilhamento do conhecimento científico. Ao fazê-lo, estaremos investindo em um futuro mais inteligente, solidário e crítico para todos. Habilidades essas que serão essenciais nas próximas décadas, à medida que o mundo avança rapidamente nas tecnologias digitais.


 

Olá! Adoraríamos ouvir suas considerações sobre este assunto. Sinta-se à vontade para se juntar à conversa,  compartilhando suas ideias conosco nos comentários.🔽

 

Lisiane Müller

Lisiane Müller


Comunicadora científica do Coractium. Bioarqueóloga, pós-graduanda em Data Science e Analytics na USP-Esalq, Mestra em Ciências pelo Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP (2021) e Bacharela em Ciências Biológicas pela UNIRIO (2014). Atualmente, estou focada em projetos de comunicação pública de ciência, com ênfase em inovação, dados, educação digital, produção multimídia e programação.


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